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Parceria Transpacífica ameaça principais setores do agronegócio

Tratado dos EUA com onze países isola o Brasil no âmbito das negociações bilaterais e serve de alerta para o país fechar acordos com a União Europeia, avaliam especialistas A aprovação da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla inglês), ratificada ontem pelos Estados Unidos mais onze países, é uma ameaça para as exportações dos principais segmentos do agronegócio brasileiro, na avaliação de especialistas ligados ao setor. Com a assinatura do maior acordo comercial da história, exportadores de carne, soja e café, entre outros, correm o risco de perder mercados, em prejuízo de uma relação comercial de quase R$ 60 bilhões (superávit atual entre o Brasil e os doze países envolvidos no TPP). "Temos aí uma ameaça. Não só estamos deixando de abrir mercados como, agora, corremos o risco de perdê-los", diz o coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, Roberto Rodrigues. "Depois de ter rejeitado a Alca, sob a égide do Mercosul, o Brasil busca acordos com a União Europeia [desde 2003]. Enquanto isso não acontece, surge o TPP, que ameaça as exportações do País", acrescenta o ex-ministro da Agricultura. Segundo ele, as exportações de frango e etanol para o Japão, a concorrência com a Austrália na produção de carnes e o segmento do café, em que concorre o Vietnã (signatário do novo acordo), são os pontos mais sensíveis para o Brasil em relação ao tratado, isto é, onde o País tem mais a perder. O acordo prevê uma redução tarifária de 40% nas exportações de frango e de 35% nas vendas de soja, segundo declarações feitas durante o anúncio do acordo, realizado ontem em Washington, EUA. São produtos em que o Brasil compete com os Estados Unidos. "A nossa situação fica bastante desvantajosa. E não é só em relação às tarifas: há também aspectos sanitários, ambientais e outros regulamentos que vão além do preço", observa o gerente do Departamento do Agronegócio da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Deagro-Fiesp), Antônio Carlos Costa. "Haverá um impacto nas exportações brasileiras porque a concorrência do Brasil com os Estados Unidos na agropecuária ficará mais acirrada, e eles serão os fornecedores preferenciais dos onze países envolvidos no acordo", acrescenta o presidente da consultoria Rubem Barbosa e Associados, que foi embaixador do País em Washington. "O problema é que nossa estratégia de negociação comercial se baseou em Doha, e essa rodada fracassou. Nos últimos dez anos, o Mercosul fez quatro ou cinco acordos, enquanto no mundo houve mais de 400. Fomos apanhados no contra-pé, estamos isolados, marginalizados, perdendo competitividade", asseverou Barbosa. Com a assinatura do TPP, o Brasil perde competitividade não só para os Estados Unidos, mas também para países como a Austrália. Os produtores australianos demonstram otimismo em relação às exportações de carne, setor em que se destacam no cenário mundial: Sidney prevê um aumento anual de 20% nas exportações de carne, para 1,2 milhão de toneladas,no período de julho de 2015 ao mesmo mês de 2016, de acordo com o Escritório Australiano de Agricultura, Recursos Econômicos e Ciências Rurais (Abares, na sigla em inglês). "É evidente que um acordo como o TPP pode mudar a direção das exportações em mercados que são grandes clientes do Brasil", observa Costa, da Deagro. Ele avalia que as exportações brasileiras, que nos últimos dez anos foram impulsionadas por economias ascendentes, como a China, tendem a crescer menos, em compasso com o menor ritmo de crescimento desses países. "É justamente a hora que a gente precisa de acordos comerciais mais robustos, para que possamos ganhar novos mercados", acrescenta o especialista. Para o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, o lento processo de negociação para a constituição de acordos comerciais entre os países do Mercosul e outros blocos econômicos, como a União Europeia, poderá prejudicar o setor exportador de carne de frangos e de suínos do Brasil. "A ausência do Brasil em negociações como a do TPP e a estagnação de negociações importantes com outros mercados poderá colocar o país em uma situação de isolamento comercial e em desvantagem frente aos grandes concorrentes internacionais, em especial os Estados Unidos", declarou Turra. O Brasil e os quatro países que compõem o Mercoul (Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela) negociam acordos com a União Europeia desde 2003, mas não houve nenhuma parceria relevante firmada até hoje. "Chegamos perto de fechar um acordo em 2006, mas houve um recuo, com a dificuldade de negociação imposta pela Argentina. Isso precisa ser revisto com urgência, pois, se há um setor brasileiro pró-ativo nas negociações, é o agronegócio. E essas negociações ainda são extremamente tímidas", comenta Costa. Em coletiva de imprensa após o anúncio da assinatura do TPP, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Armando Monteiro, declarou que o tratado coloca uma "pressão positiva" para que os diálogos entre Mercosul e União Europeia avancem. Procurada pela GLOBO RURAL, a Delegação da União Europeia no Brasil não se pronunciou até o fechamento da reportagem. Contudo, a Embaixada da França no País pronunciou-se: "Independemente da assinatura do TPP, vale lembrar a declaração do Presidente François Hollande durante a sua visita a Brasilia em dezembro de 2013, desejando que "as discussões entre o Mercosul e a União Europeia possam se desenvolver rapidamente". Em relação às consequências do TPP para a balança comercial brasileira, o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Cerais (Anec), Sérgio Mendes, é ponderado: "Evidentemente, a exportação de produtos com alto valor agregado, onde há muita competição, será afetada. Mas não acredito que haja grande influência sobre o mercado de grãos. Os EUA não têm espaço para ampliar a produção, enquanto podemos tripicá-la sem derrubar nenhuma árvore", afirma o representante.Entretanto, segundo Mendes, os mercados asiáticos sem a China são o segundo maior consumidor dos cerais produzidos no Brasil. Com o Oriente Médio, a Ásia (sem a China) responde por 18% das exportações totais do agronegócio brasileiro, de acordo com dados da Deagro. Parte desses países agora fazem parte do maior acordo comercial já feito na história, que exclui o Brasil.